No início da tarde da última sexta-feira (25), na cidade de Brumadinho/MG, a barragem de rejeitos de minério do Córrego do Feijão, de propriedade da empresa Vale S.A., se rompeu, liberando um mar de lama que devastou parte da cidade e vidas humanas por onde passou, tanto de funcionários da empresa quanto de moradores locais. Até o presente momento, foram confirmadas 99 mortes e 259 pessoas continuam desaparecidas, superando o número de vítimas do mesmo acidente que ocorreu na cidade de Mariana/MG, em 2015.
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Na manhã do dia (29), o Ministério Público de Minas Gerais (MPMG), o Ministério Público Federal (MPF) e a Polícia Federal (PF) deflagraram operação com o objetivo de cumprir mandados de busca e apreensão e mandados de prisão temporária para apurar a responsabilidade criminal pelo rompimento da barragem. A Justiça estadual mineira decretou a prisão temporária pelo período de 30 dias, prorrogável por igual período em caso de extrema e comprovada necessidade, de três pessoas, responsáveis por atestar em documentos a estabilidade das barragens da Vale S.A., e de outras duas que coordenavam a segurança do complexo minerário onde ocorreu a tragédia, pelo mesmo período.
O Ministério Público do estado de Minas Gerais, ao requerer a prisão dos indiciados, alegou que os documentos acostados demonstraram a existência de indícios de autoria ou participação dos representados nas infrações penais de falsidade ideológica, crimes ambientais e homicídios, sendo as medidas pleiteadas (prisão temporária e busca e apreensão) imprescindíveis para as investigações, já que as diligências poderão revelar os vínculos entre os investigados, bem como delinear melhor as responsabilidades.
Ao decretar as medidas cautelares, a juíza destacou que a tragédia demonstrou não corresponder o teor dos documentos, assinados pelos investigados, com a verdade, não sendo crível que barragens de tal monta, geridas por uma das maiores mineradoras mundiais, se rompam repentinamente, sem dar qualquer indício de vulnerabilidade, tendo em vista a existência de sensores capazes de captar, com antecedência, sinais de rompimento dessas estruturas, concluindo que havia meios para evitar o rompimento.
Aqui é importante esclarecer alguns pontos. Por mais indignados que fiquemos com o ocorrido, não podemos afastar as aplicações jurídicas que o evento envolve e dar lugar a sentimentos de revolta, de forma a querer, indiretamente, aumentar a responsabilidade da mineradora. Diferente do direito civil, onde a responsabilidade da empresa é verificada de forma objetiva, ou seja, independente de culpa, meramente por decorrência do ato praticado, no direito penal a responsabilidade é analisada subjetivamente.
Isso quer dizer que, para o agente ser penalmente responsabilizado, é necessário que tenha agido ou com a intenção de causar o dano (dolo) ou com a ausência de prestação dos cuidados que lhe eram devidos para que aquele resultado não viesse a ocorrer (terá agido com culpa, se houver previsão legal desta modalidade).
Ainda sobre a responsabilidade penal no caso em análise, é muito comum nessa situação ouvirmos frases populares como “tem que prender todo mundo!”, ou falas semelhantes. Obviamente, são frases ditas por pessoas que não estão inseridas em uma linguagem e entendimento jurídico, declarando tais pensamentos por entender ser a reação mais justa a ser tomada pelo poder judiciário.
Todavia, quando falamos em responsabilidade penal, esta carece da existência de uma pessoa específica que realmente seja responsável pelo delito praticado. Em outras palavras, deve ser pessoa física, humana, sendo esta capaz de sofrer as sanções penais (prisão, restrição de direitos, tratamento psiquiátrico, etc.). Logo, não há motivo algum para prender, por exemplo, alguém que exerce funções diversas de garantir a segurança da barragem, mesmo que dentro da empresa, pois, até que haja prova em contrário, esse indivíduo não praticou nenhuma ação que guardasse relação com o desastre ocorrido.
Sabendo que somente a pessoa física pode ser penalmente responsabilizada, a regra é que esta responsabilidade não se estenderá à pessoa jurídica, estando sua responsabilidade limitada à esfera cível. Entretanto, quando se tratar de crime ambiental, a Pessoa Jurídica poderá responder penalmente, independente de identificação ou envolvimento de pessoa física. De fato, a empresa não terá pena restritiva de liberdade, pois não estamos falando de um ser humano com direito a liberdade e locomoção. As sanções se limitarão em penas de multa, restritivas de direitos e prestação de serviços à comunidade.
No caso de Brumadinho, o Ministério Público fundamentou seu pedido de prisão dos 5 indiciados também na suposta prática de crime ambiental, não havendo dúvidas de que é alta a possibilidade de, novamente, a Vale S.A. responder a um processo penal em razão dos danos ambientais causados pelo rompimento de outra barragem de rejeitos.
É importante salientar também que, em que pese a fundamentação do pedido de prisão do MPMG na suposta prática de crime de homicídio, essa tipificação inicial não vincula a decisão final do magistrado, podendo ser a conduta desclassificada para outro tipo penal. Exemplo disso foi a concessão de Habeas Corpus da 4ª turma do TRF da 1ª Região em favor do executivo André Ferreira Cardoso, da Samarco, acusado pela tragédia ambiental em Mariana/MG, para modificar a imputação.
O colegiado reconheceu a falta de justa causa para imputação de 19 homicídios triplamente qualificados (pena de 12 a 30 anos para cada homicídio), entendendo que se tratava de inundação seguida de morte (pena de 3 a 6 anos aplicada em dobro se verificar a existência de dolo, ou, no caso de culpa, aplica-se a pena cominada ao homicídio culposo, aumentada de um terço).
No caso de Brumadinho, além das prisões decretadas, o Judiciário estadual mineiro apreciou, até o momento, vários pedidos urgentes relacionados ao desastre, e bloqueou 11 bilhões da mineradora Vale S.A. para reparação de danos às comunidades atingidas e ao meio ambiente. Não somente, a Justiça determinou que a empresa auxiliasse o resgate de vítimas e animais afetados pelo desastre.
Como se vê, a lei deve valer para todos. Não podemos de forma alguma aceitar que o Brasil receba status de país da impunidade. Independente da importância econômica que a mineradora tem, ocorrências como as de Samarco e da Vale não podem ser jogadas para baixo dos panos. Vidas foram destruídas de diversas formas e, sendo verificada que de fato o incidente decorreu da ausência de cuidados necessários, os envolvidos terão que sentir o peso legal da responsabilidade a qual deixaram de exercer.
Stéfano Vieira Machado Ferreira. Graduado em direito pela UFES. Advogado. Especialista em Direito Tributário pelo IBET. Mestre em Direito Tributário pela PUC-SP. Doutorando em Direito Tributário pela PUC-SP. Redator do blog Direito Direto. www.vmfadvogados.com.br
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