O Juiz Eleitoral Thiago Guimarães Emerim julgou uma representação da Coligação “UNIDOS POR SÃO JOÃO” em desfavor GENTIL PEREIRA DE MENDONÇA, MARCOS VINÍCIUS DE PAULA, RAQUEL CRISTINA FERNANDES, WARLEM SOARES e FABIANA HIPÓLITO.
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SENTENÇA Vista, etc.
Trata-se de REPRESENTAÇÃO por suposta prática de conduta vedada, intentada pela Coligação “UNIDOS POR SÃO JOÃO” em desfavor GENTIL PEREIRA DE MENDONÇA, MARCOS VINÍCIUS DE PAULA, RAQUEL CRISTINA FERNANDES, WARLEM SOARES e FABIANA HIPÓLITO, todos devidamente qualificados nos autos, em que alega, em síntese, que, no dia 26 de junho de 2020, a senhora Paolla Oliveira Fehlberg moradora do município de São João do Manteninha compartilhou em suas redes sociais (Facebook) vídeo em que o senhor Marcos Vinícius de Paula aparece discursando numa unidade de saúde da cidade para os munícipes que são beneficiários da doação de próteses dentárias.”.
Acrescentou que, “pelo vídeo, é perfeitamente possível verificar que o senhor Marcos Vinícius de Paula, atual vice Prefeito e servidor público efetivo lotado no cargo de Técnico de Suporte em Gestão Hospitalar do Município, vale-se do mutirão de próteses dentárias realizado no dia 25/06/20 pela Secretaria Municipal de Saúde para se autopromover e promover também o Prefeito Gentil que também é candidato à reeleição.”.
Disse que o “segundo Representado chegou até mesmo a indagar os beneficiários do programa social se eles eram merecedores dos seus votos, num claro e explícito assédio”, incidindo, consoante defende, na conduta vedada prevista no art. 73, inciso IV da Lei 9.504/97, que proíbe o uso promocional e eleitoreiro da distribuição gratuita de bens e serviços públicos. Referiu que, “Num dos vídeos publicado em rede social a conhecida jornalista Fabiana Hipólito entrevista o protético Warlem, e ele também encampa discursos elogiosos ao segundo Representado atribuindo a este todo o sucesso do programa social de distribuição gratuita de próteses dentárias.”. Informou que, “durante outro evento de entrega das próteses dentárias, a Dra. Raquel mais uma vez na companhia do segundo Representado e na presença dos beneficiários, proferiu discurso direcionado a eles dizendo que tudo aquilo só era possível graças ao Marquinho, pois, “ele correu atrás do projeto para oferecer as próteses para o pessoal de São João do Manteninha.”.
Explicitou que o senhor Marcos Vinícius de Paula seria o então Viceprefeito da cidade de São João do Manteninha, tendo disputado a reeleição juntamente com o também então Prefeito da cidade, o senhor Gentil Pereira Machado, o qual, segundo sustenta, também seria beneficiário da conduta vedada praticada. Requereu, ao final, que fosse reconhecida a prática de conduta vedada prevista no art. 73, inciso IV da Lei nº 9.504/97, com a aplicação das sanções previstas no § 5º do artigo 73 da Lei 9.504/97. Rogou pela produção de prova documental e testemunhal. Juntou com a inicial documentos, imagens, vídeo e procuração. Citados, os representados GENTIL PEREIRA DE MENDONÇA e MARCOS VINÍCIUS DE PAULA apresentaram defesa sob id 47871147.
Alegaram, como prejudicial do mérito, a impossibilidade jurídica do pedido, ao argumento de que, ao tempo dos fatos, sequer ostentariam a condição de pré-candidatos.
Ainda, como prejudicial de mérito, sustentaram haver irregularidade na representação do representante, já que, “muito embora o Sr. Hiron Cândido de Araújo tenha sido indicado como representante da coligação na ata do PMN, não há legítima escolha para essa função consignada na ata do MDB”. No mérito, informaram que “Ainda em 2019, o Município de São João do Manteninha foi credenciado pelo Ministério da Saúde para receber incentivos financeiros para investimento no acesso integral à saúde bucal, por meio do Laboratório Regional de Prótese Dentária”. Aduziu que “Esse credenciamento foi realizado por meio da Portaria nº 3.168, de 09 de dezembro de 2019, tratando-se, portanto, de Programa Federal em execução já no exercício anterior, o que permite a distribuição das próteses no ano eleitoral.”.
Defenderam que o “2º Investigado, em momento algum, se apresentou no local como vice-prefeito ou como candidato, mas esteve presente como funcionário da Secretaria de Saúde, como de fato é, no exercício do cargo de Técnico de Suporte em Gestão Hospitalar”. Referiram que a manifestação observada no vídeo possuía o condão de esclarecer os usuários do serviço de que não precisariam mais trocar votos por serviço dentário.
Informaram que não houve qualquer publicidade institucional, sendo que os vídeos foram obra de captação de imagens por particulares. Argumentaram que o fato não interferiu nas eleições, tendo em vista a diferença verificada nas urnas entre as chapas que concorriam, não ostentando, por isso, gravidade suficiente a macular o pleito.
Rogou, ao final, pela total improcedência da ação, aplicando-se ao representante a multa por litigância de má-fé. Postulou pela produção de prova documental, oral e pericial. Juntaram procuração e documentos. Citada, a representada Fabiana Pereira Hipólito apresentou contestação sob id. 48134388. Em preliminar, sustentou ser ilegítima a figurar no polo passivo por não ter concorrido ao pleito e não ter recebido recursos públicos, não tendo a inicial indicado a conduta supostamente praticada.
No mérito, informou que apenas exerceu sua atividade profissional, noticiando o fato no veículo de comunicação que mantém (Portal Informeleste), buscando, com isso, divulgar e promover a página pessoal que mantém no Facebook. Referiu não ter recebido qualquer numerário dos cofres públicos, nem mesmo buscado promover algum dos candidatos ao pleito eleitoral. Sustentou não manter qualquer vinculação com a municipalidade.
Rogou, ao final, pelo acolhimento da preliminar com a extinção do feito ou, subsidiariamente, pela improcedência da ação. Postulou por todas as provas admitidas em direito, indicando rol de testemunhas. Juntou procuração e documentos. Citado, o representado Warlen Soares apresentou contestação sob id. 48246299. Em preliminar, sustentou ser ilegítimo a figurar no polo passivo por ter se sagrado vencedor de procedimento licitatório, recebendo recursos federais para executar o serviço para o qual fora contratado, não tendo a inicial indicado a conduta ilícita supostamente praticada.
No mérito, informou que apenas prestou os serviços para o qual fora contratado. Acresceu que “a contratação e o mutirão de próteses foram realizados em data bastante anterior ao pleito eleitoral e anterior até mesmo que os próprios registros de candidaturas dos envolvidos”. Destacou que era o responsável pela confecção e instalação das próteses, sendo de responsabilidade do município a escolha dos agraciados. Defendeu estar incluído na exceção prevista na exceção legal disposta no art. 73, inciso § 10, da Lei das Eleições.
Rogou, ao final, pelo acolhimento da preliminar com a extinção do feito e, subsidiariamente, pela improcedência da ação. Postulou por todas as provas admitidas em direito. Juntou procuração e documentos. Citada, a representada Raquel Cristina Fernandes apresentou contestação sob id. 56985438. Em preliminar, sustentou ser ilegítima a figurar no polo passivo por não ter concorrido ao pleito, tendo a entrevista sido concedida em período anterior ao período eleitoral. No mérito, explicitou que “o evento em que a representada teria, supostamente, praticado a conduta proibida pela legislação eleitoral consistia no ‘Programa Brasil Sorridente’, foi implementado e criado pelo Governo Federal para entrega de próteses, e aberto ao público.”. Referiu não haver provas no sentido de demonstrar que a representada houvesse promovido ou permitido a promoção em favor de candidato, partido político ou coligação. Rogou, ao final, pelo acolhimento da preliminar com a extinção do feito ou, subsidiariamente, pela improcedência da ação. Juntou procuração e documentos.
Na decisão de id. 58688559, houve a análise dos requerimentos de prova, os quais restaram indeferidos. O Ilustre Representante do Ministério Público Eleitoral em parecer id. 72280343, pugnou pelo afastamento das questões preliminares e prejudiciais eriçadas pelos representados, bem como pela procedência da representação.
Vieram os autos conclusos.
É o relatório. Decido.
De início, registro que esta representação observou o rito do art. 22 da LC 64/90, consoante comando expresso no art. 44 da Resolução TSE nº 23.608/2019.
Nesse passo, tenho que labora com acerto o ilustre representante do Ministério Público, eis que de Ação de Investigação Judicial Eleitoral não se trata a presente demanda. Na verdade, consubstancia hipótese de representação por conduta vedada, situação que, apesar da incorreta autuação do feito, não gera qualquer prejuízo às partes, em especial pela adoção do correto rito processual.
Feitas essas breves considerações, verifico que o representante vem propor a presente representação, para apuração de suposta prática de conduta vedada pelos representados, aduzindo, em síntese, que estes teriam promovido ou permitido a promoção em favor de candidato ao pleito eleitoral que se avizinhava.
Os Representados, por seu turno, insurgem-se em relação às alegações iniciais. Pois bem. As partes não controvertem acerca da ocorrência dos fatos narrados. A dúvida paira acerca de eventual incidência na vedação legal, bem como quanto à efetiva responsabilidade dos representados. Antes de invadir o mérito, registro que o primeiro e segundo representados sustentaram, como “prejudicial de mérito”, a irregularidade na representação da coligação representante, na medida em que o senhor Hiron não constaria na ata de convenção do partido MDB como representante da coligação, o que, na sua visão, inviabilizaria o processamento da ação. Sem razão os representados. O vício defendido, em verdade, diz com uma das condições da ação, em especial no que toca à legitimidade do representante para o ajuizamento da ação.
Nesse contexto, não verifico a incorreção mencionada. É dizer, o partido MDB, através de seu representante legal, quando da confecção da ata da sua convenção partidária, registrou que formaria coligação com o partido PMN, este que, na respectiva ata convencional, indicou como representante da coligação o senhor Hiron.
Logo, a Coligação possui representante regular. Não vislumbro, pois, vício ou irregularidade na representação da Coligação que inviabilize o processamento deste feito. Aliás, eventual vício de representação deveria ser trazido pelo próprio partido, o qual, ao que parece, reconhece a representatividade do signatário da procuração.
Afasto, pois, a prefacial.
Em prosseguimento, verifico que os representados Warlen, Raquel e Fabiana suscitaram preliminar de ilegitimidade passiva, ao argumento de que não ostentariam a condição de candidatos ou interessados ao pleito eleitoral, nem mesmo (Fabiana) teria recebido recursos provenientes dos cofres públicos.
A preliminar eriçada pelos representados confunde-se com o mérito, razão pela qual relego a sua análise para quando do exame meritório da causa.
De igual sorte, verifico que os representados Gentil e Marcos, suscitaram “prejudicial” de “impossibilidade jurídica do pedido”, ao fundamento de que os fatos teriam acontecido antes mesmo do período eleitoral, situação que, ao que se vê, diz com o mérito da ação, devendo sua análise ser reservada para o momento oportuno.
Passo ao exame de fundo.
E, ao fazê-lo, destaco que as espécies de condutas vedadas encontram-se previstas nos artigos
73 a 77 da Lei das eleições.
Com o escopo de preservar a paridade de armas no pleito eleitoral e promover a preservação da
íntima convicção do eleitorado, o legislador, em reconhecimento à relevância e reconhecida
gravidade de certas condutas no processo eleitoral, proibiu-as, expressamente, evitando-se, com
isso, a indevida e abusiva interferência por parte daqueles que ostentem algum vínculo com Administração Pública.
Consoante se extrai da redação do art. 73, IV, da Lei 9.504/98: “Art. 73. São proibidas aos agentes públicos, servidores ou não, as seguintes condutas tendentes a afetar a igualdade de oportunidades entre candidatos nos pleitos eleitorais:
(…) IV – fazer ou permitir uso promocional em favor de candidato, partido político oucoligação, de distribuição gratuita de bens e serviços de caráter social custeadosou subvencionados pelo Poder Público;”
A interpretação de tal dispositivo deve ser realizada em conjunto com o parágrafo 10 do mesmo dispositivo legal, senão vejamos: §10 – No ano em que se realizar eleição, fica proibida a distribuição gratuita de bens, valores ou benefícios por parte da Administração Pública, exceto nos casos de calamidade pública, de estado de emergência ou de programas sociais autorizados em lei e já em execução orçamentária no exercício anterior, casos em que o Ministério Público poderá promover o acompanhamento de sua execução financeira e administrativa.
Como bem adverte o professor José Jairo Gomes, “Não se deve confundir essas duas hipóteses legais. Para a configuração do vertente inciso IV, é preciso que o agente use ‘distribuição gratuita de bens e serviços’ em prol de candidato. Aqui não se trata de reprimir a distribuição em si mesma, mas sim o uso promocional e eleitoreiro que dela se faça. (…) Relevante para a caracterização da figura em exame é o desvirtuamento do sentido da própria distribuição, a sua colocação a serviço de candidatura, enfim, o seu uso político-promocional” (pág 788). Palmilhando o processo, verifico que o fato ora impugnado teria ocorrido em 25/06/2020, consistente em uma solenidade destinada à entrega de próteses dentárias à comunidade local.
Segundo se extrai dos vídeos colacionados à inicial, no indigitado evento estaria presente o segundo representado, senhor Marcos, o qual, antes da entrega das próteses dentárias, teria proferido discurso nos seguintes termos:
“É…É…Para mim é assim…É motivo de muita alegria poder tá aqui hoje pra entrega essa prótese. Porque se a gente tiver ter saúde a cada dia que amanhece…Deus sabe do meu trabalho, a minha intenção, é poder dar o melhor que eu tenho para esse serviço. E…Essa questão da saúde bucal. A gente
trabalha firme nisso, porque a gente sabe que isso traz dignidade para as pessoas né? E… Agradecer a todo Governo Federal porque também, que é o parceiro
para quem, pra que, pra que essa coisa aconteça. Eu acho que o sorriso… Eu acho que uma boca boa, faz com que as pessoas tenham dignidade. Não tenham
vergonha de sorrir.
Quantas pessoas não tiveram né? Já, já tem uma fama de falar já tiveram que “se tiver onde votar pra ganhar uma prótese”, tiveram que votar até que não “tavam” querendo, pra ganhar e ter um sorriso melhor. E hoje fico muito feliz de poder fazer essa entrega ‘pro cêis? E já fazer o molde de mais trinta e duas, né?” Fala da Dentista Dra. Raquel: Pode até fazer (Não entendi a palavra…) ter a prova hoje. e daqui quinze dias vamos começar a moldar de novo. Fala do Vice-Prefeito Marcos Vinicius de Paula (vulgo Marquinhos da saúde):”Então essa administração tem o orgulho de poder ‘tá’ entregando, de podendo dá dignidade ‘pros cêis’ não só aqui, mas na em toda a saúde, em toda a administração. É… Mês que vem a gente vai não estar aqui mais, a gente vai tá na unidade nova.”
Fala da Dentista Dra. Raquel: No prédio novo. “No prédio novo ali que ta terminando. Onde vai ter a estrutura melhor..Muito melhor! É um sonho nosso!
Tão com quatro pedreiros no hospital, terminando a parte de cima, pra que lá passe internar… Demais até mês de agosto internando é outro sonho, né Eneuza?
Estamos brigando por isso né? Precisamos, pra ver se consegue. Então, ressaltando, o prefeito não pode, não pode estar aqui, até mediante o período eleitoral.
Mas é gratificante para nós, poder saber que vocês vão poder ‘tá’ pegando essa prótese e ‘tá’ usando sem ter compromisso nenhum. ‘Ah! Eu tenho que votar porque to ganhando uma prótese’. Não. Vocês só vão votar se ‘cêis’ acharem que essa administração merece estar novamente, Se vocês acharem que prestou serviço de qualidade. Se vocês acharem que nós somos os bons funcionários de vocês. Vocês acham? Ou se entenderem de forma diferente, tem que trocar. Entendeu? Quem ‘tá’ aqui dando, igual falaram aí em redes sociais, ninguém está aqui trabalhando.
Como vão dizendo. É projeto da saúde. É projeto da nossa administração. É projeto nosso ter uma saúde bucal forte. É projeto nosso ter um hospital funcionando. É um projeto nosso ter uma Unidade Básica de Saúde funcionando. É projeto nosso. Nós somos meros funcionários do povo de São João do Manteninha. Então quero agradecer a presença de vocês, e entregar né? ‘cêis num’ sabe o tanto que estou feliz de poder entregar. ‘Num’ quero que ninguém fique triste. E quando eu vejo alguém sorrindo e falta um dente, eu abaixo minha cabeça e fico com vergonha. Porque é o meu povo. É povo que votou em mim. É o povo que represento. Fico chateado! Então é hoje, do fundo do meu coração, ‘tô feliz, muito feliz! Que cada cidadão desse foram até mim. Só vai sorrir faltando um dente se ele quiser.
Porque seiscentos em um dente é muito. Mas a gente não quer passar por isso mais, ter que olhar ‘pro ceis’ e ver que tá faltando alguma coisa, e o ‘céis’ com
vergonha de sorrir. “Ta bom”? Muito obrigado pela atenção de vocês, ‘Vamo entrega?!” Para que se configure o ilícito positivado no art. 73, IV, da LE, há de se observar: I) se houve distribuição gratuita de bens e II) se a distribuição foi utilizada para promover campanha eleitoral.
De fato, no ponto, inegável a ocorrência de distribuição gratuita de próteses dentárias em favor de alguns munícipes da comunidade, por meio de programa social encampado pela Administração
Municipal, fato incontroverso nos autos. No que toca ao ânimo da distribuição, tenho que realmente buscou promover a campanha eleitoral dos então gestores do executivo municipal. Isso porquanto o discurso promovido pelo segundo representado não deixa dúvidas quanto à tentativa de obter saldo político positivo através da entrega de bens custeados pelo erário.
Nessa trilha, insta consignar que o representado, então vice-prefeito municipal, em dada passagem de seu discurso, adverte os agraciados que, com o programa de entrega de próteses dentárias, eles estarão recebendo e usando os citados aparatos bucais “sem ter compromisso nenhum”, fazendo alusão ao voto. E mais, ainda esclarece aos presentes que esses somente vão votar na gestão, se acharem que a atual Administração é novamente merecedora e que os
gestores foram bons funcionários. Por fim, terminou o breve discurso questionando se os presentes achavam isso, senão vejamos:
“Mas é gratificante para nós, poder saber que vocês vão poder ‘tá’ pegando essa prótese e ‘tá’ usando sem ter compromisso nenhum. ‘Ah! Eu tenho que votar porque to ganhando uma prótese’. Não. Vocês só vão votar se ‘cêis’ acharem que essa administração merece estar novamente, Se vocês acharem que prestou serviço de qualidade. Se vocês acharem que nós somos os bons funcionários de vocês. Vocês acham? Ou se entenderem de forma diferente, tem que trocar. Entendeu?”
Ora, não há dúvida alguma de que o teor da fala do vice-prefeito e ora segundo representado desbordou dos limites da mera informação ou dos esclarecimentos usuais acerca do programa público em execução ou do funcionamento do procedimento de confecção e entrega das próteses dentárias, descortinando, por outro lado, o seu verdadeiro cunho político-eleitoral, descambando para a promoção eleitoral da então atual gestão do executivo municipal, composta pelo primeiro e segundo representados, e culminando no pedido indireto de votos, este mascarado no nominado “esclarecimento” sobre a liberdade de voto.
Não bastasse isso, verifico que não aportou aos autos qualquer demonstração de que o programa público em liça houvesse sido previsto nas Leis Orçamentárias. Conforme ressaltado pelo diligente Promotor de Justiça, “a distribuição de bens foi viabilizada a partir do Pregão Presencial 000003/2020, Procedimento Licitatório nº 000004/2020, aberto em 25/03/2020 e concluído em 28/04/2020, tendo se sagrado vencedor do certame a empresa WARLEM R. SOARES (cuja administração pertence ao representado WARLEM RODRIGUES SOARES).”.
Através da leitura da Portaria nº 3168, de 09 de dezembro de 2019, que credenciou o município de São João do Manteninha para receber incentivo financeiro referente a Laboratório Regional de Prótese Dentária (LRPD), juntada em ID nº 47871149, observa-se que o município de São João do Manteninha foi credenciado em dezembro de 2019, quando então restou habilitado ao recebimento do valor mensal de R$ 7.500,00 (sete mil e quinhentos reais), para o ano de 2020, totalizando o valor global de R$ 90.000 (noventa mil reais) para aquele exercício.
Ainda, pela aferição dos documentos de id. 72329658 (LOA/2020) e 72329656 (ficha de licitação), verifica-se que o senhor Warlen sagrou-se vencedor no procedimento licitatório para a contratação de “PRESTAÇÃO DE SERVICOS ESPECIALIZADOS PARA MOLDAGEM, CONFECCAO E ADAPTACAO DE PROTESES ODONTOLOGICAS COM A REALIZACAO DE ATENDIMENTO JUNTO A UNIDADE BASICA DE SAÚDE DO MUNICÍPIO”, com proposta no valor de R$ 204.600,00 (duzentos e quatro mil e seiscentos reais). Não obstante a previsão de repasse do montante de R$ 90.000,00 (noventa mil reais) para o exercício de 2020, verifico que, como bem ressaltado pelo ilustre representante do Ministério Público, para tal contratação, já houve empenho em montante superior, no valor total de R$ 103.323,00 (cento e três mil, trezentos e vinte e três reais), o que leva a concluir que, de fato, houve dispêndio suplementar de verba pública municipal para a execução do projeto enfocado, sem, todavia, haver previsão específica na Lei orçamentária Anual do ano de 2020.
Logo, entendo que a execução orçamentária do programa de distribuição gratuita de próteses dentárias, cuja participação financeira contou com verba pública pertencente à municipalidade, somente ocorreu no ano de 2020, ano eleitoral, situação esta que inegavelmente infringe a disciplina do art. 73, §10, da Lei 9.504/97, em especial por não terem os representados logrado êxito em demonstrar que o programa social estava autorizado em lei e já em execução orçamentária no exercício anterior ou alguma das outras exceções legais (calamidade pública ou estado de emergência).
No ponto, destaco que não convence a assertiva encampada pela defesa técnica dos dois primeiros representados, quando defendem ter havido início de execução orçamentária no ano de 2019, por meio do simples cadastramento do ente público municipal. Isso porquanto o credenciamento apenas habilita o referido ente público para o recebimento das verbas destinadas ao programa social.
Ademais, consoante se observou, o procedimento licitatório somente restou implementado no ano de 2020, quando então passou a ser executado o programa social ora em comento, recebendo o município as verbas prometidas pelo ente federal. Aliás, inclusive oportunizou a municipalidade, dirigida pelos dois primeiros representados, o dispêndio de verbas públicas municipais, as quais, entretanto, não vieram previstas em lei específica. Na mesma linha, não deve prosperar a tese defensiva encampada pelos mesmos representados quanto ao impedimento à configuração do ilícito eleitoral em razão de o fato ter ocorrido anteriormente ao período eleitoral.
Ora, o dispositivo em tela (art. 73, IV, da LE), diferentemente do que ocorre nos incisos V, VI e VII do mesmo artigo, não possui expressa previsão acerca de eventual limitação temporal para a sua ocorrência.
Logo, inocorrendo previsão legal nesse sentido, é de se concluir que o ilícito eleitoral pode ocorrer inclusive em momento pretérito ao período eleitoral. Aliás, interpretar de outra forma seria impor restrição onde não o fez o legislador.
Nesse sentido, a jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral assevera que “a configuração da prática da conduta vedada prevista no inciso IV do art. 73 da Leidas Eleições não está submetida a limite temporal fixo ou à existência de candidaturas registradas perante a JustiçaEleitoral”(Ac. TSE, de 25.08.2015, no REspe nº 71923).
No mesmo sentido, é a posição da doutrina especializada: “A respeito do momento relevante para a ocorrência da conduta vedada pelo artigo 73, IV, da LE, não há expressa previsão legal. No entanto, é razoável o entendimento segundo o qual a vedação desse inciso incide a qualquer tempo, não estando restrita à limitaçãotemporal de três meses antes do pleito, podendo, pois, configurar-se anteriormente ao pedido de registro de candidatura. Isso porque o legislador não restringiu expressamente o período de incidência da vedação da conduta em exame (como o fez, e.g., nos incisos V, VI e VII do mesmo
artigo 73 da LE), tampouco tal restrição pode ser deduzida do texto do inciso IV (como ocorre com o inciso III). Não poderia, então, o intérprete impor tal
restrição” (Direito Eleitoral. José Jairo Gomes.- 16. ed. -[2 Reimpr.] – São Paulo: Atlas, 2020; pág.789) Dessa feita, entendo pela configuração do ilícito eleitoral imputado aos dois primeiros representados, GENTIL PEREIRA DE MENDONÇA e MARCOS VINÍCIUS DE PAULA, os quais incidiram nas vedações previstas no art. 73, IV e §10 da LE.
Em relação aos demais representados, entendo que a sorte da representação deve ser outra Isso porquanto não visualizo na conduta dos representados Warlen, Raquel e Fabiana os comemorativos necessários à configuração da prática da conduta vedada ora em comento. Como se disse, para a configuração da conduta vedada prevista no art. 73, IV da LE, afigura-se necessária a demonstração do viés político-promocional.
Nessa toada, investigando o caderno processual, não verifico elementos a indiciar tal desiderato pelos representados. Tanto Warlen quanto Raquel, em suas manifestações, apenas teceram considerações elogiosas ao senhor Marcos, aduzindo que este teria se empenhado na obtenção das próteses, afirmação, ao que se percebe, sem qualquer conotação eleitoral. Aliás, eventual autopromoção oportunizada por agentes públicos a partir de bens e verbas públicas, sem objetivo eleitoral, representa situação estranha ao objeto desta demanda, devendo ser perseguida por meio de ação própria.
De igual sorte, não constato atuação ilícita da representada Fabiana, a qual se encontrava no local apenas cobrindo evento de distribuição de próteses dentárias, atuando na condição de jornalista e prestando serviço de utilidade pública, consistente na divulgação dos atos públicos realizados pela municipalidade; não podendo, por isso, eventual ilicitude do ato propriamente dito contaminar a conduta daquele que apenas o divulga. A mais, não aportou aos autos nenhum elemento que pudesse demonstrar, mesmo que indiciariamente, a participação intencional dos representados Warlen, Raquel e Fabiana, individual ou em conluio com terceiros, no ilícito praticado pelos demais representados.
Assim, entendo inexistirem elementos hábeis a indiciar, mesmo que minimamente, para a responsabilidade dos indigitados representados na realização do ato promocional ou que tenham, de alguma forma, permitido o ato promocional de terceiros, ônus probatório que competia ao representante e do qual não se desincumbiu a contento nestes autos.
Diante do exposto, rejeito as prefaciais e julgo improcedente a representação intentada em desfavor de RAQUEL CRISTINA FERNANDES, WARLEM SOARES e FABIANA HIPÓLITO, nos termos da fundamentação, e julgo procedente a representação aforada em face de GENTIL PEREIRA DE MENDONÇA e MARCOS VINÍCIUS DE PAULA, extinguindo o processo, com resolução do mérito, nos termos do artigo 487, I, do CPC, combinado com o artigo 20, da Res. TSE n. 23.608/2019 e o artigo 96, §7º, da Lei 9.504/97, para o fim de, reconhecendo a prática das condutas vedadas previstas no art. 73, IV e §10, da Lei 9.504/97 pelos representados, aplicar-lhes a sanção de cassação do diploma, assim como condená-los ao pagamento de multa que fixo, para cada um, em 50.000,00 (cinquenta mil) UFIR, valor que reputo proporcional à ilicitude verificada e eficaz ao atendimento do desiderato normativo. Publique-se. Intime-se. Cumpra-se. Cientifique-se o ilustre Representante do Ministério Público Eleitoral. Transitada em julgado a decisão, arquive-se com baixa.
Mantena, na data da assinatura eletrônica.
Thiago Guimarães Emerim Juiz Eleitoral
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