O que se sabe hoje sobre os danos e o potencial medicinal da droga, segundo uma das maiores especialistas do mundo.
A psiquiatra Nora D. Volkow, diretora do Instituto Nacional sobre Abuso de Drogas dos Estados Unidos, acaba de prestar mais uma contribuição a um dos debates quentes e atuais na fronteira tênue entre saúde e justiça. Num momento em que tantos países – entre eles, o Brasil – discutem os prós e contras da legalização da maconha (para uso medicinal ou recreativo), Nora reuniu num artigo científico o conhecimento mais atualizado sobre os efeitos da droga.
Está lá um bom resumo do que se sabe hoje sobre os danos provocados pela maconha e sobre os possíveis benefícios no tratamento de doenças. O trabalho foi publicado no New England Journal of Medicine. Nesta coluna, destaco as principais conclusões da equipe de Nora, uma das mais respeitadas pesquisadoras sobre drogas em todo o mundo.
DEPENDÊNCIA
Cerca de 9% daqueles que experimentam maconha vão se tornar dependentes. Entre os que fumam maconha todos os dias, a taxa de dependentes chega a 50%. Um em cada seis garotos que começam a usar a droga na adolescência se torna dependente. A probabilidade de apresentarem sintomas de dependência dois anos após a primeira experiência é até quatro vezes mais elevada que a verificada entre os que começam a usar a droga na idade adulta.
DESENVOLVIMENTO DO CÉREBRO
O uso de maconha na adolescência é a grande preocupação dos especialistas. O desenvolvimento do cérebro só fica completo por volta dos 21 anos. Antes disso, ele é altamente vulnerável a agressões ambientais, como a exposição ao tetrahidrocanabinol (THC), um dos principais componentes da maconha.
SAÚDE MENTAL
Em vários estudos, o uso regular da droga foi associado a um risco mais elevado de desenvolvimento de ansiedade e depressão. Ainda não foi possível estabelecer uma relação de causa e efeito. Não se sabe se a maconha é, de fato, a causa dessas doenças. A droga também parece aumentar o risco de psicoses (entre elas, a esquizofrenia). Isso ocorre, em especial, entre as pessoas que já têm uma predisposição genética à doença. Em pessoas com esquizofrenia, a droga pode exacerbar a doença. Um estudo demonstrou que o uso regular de maconha pode antecipar o primeiro surto em até seis anos.
DESEMPENHO ESCOLAR
A droga pode provocar falhas de memória que dificultam o aprendizado e capacidade de reter informações. Alguns estudos demonstram que os dependentes de maconha têm pior desempenho escolar e maior probabilidade de abandono dos estudos. Pode ocorrer também um déficit cognitivo. O QI (coeficiente de inteligência) dos que fumaram maconha com frequência durante a adolescência tende a ser mais baixo.
Como se vê, a crença de que fumar maconha é um prazer inofensivo não passa de mito. As evidências mais atuais reunidas por Nora podem contribuir para o debate sobre o uso recreativo da droga. Há um segundo debate, ainda mais doloroso, sobre o uso da maconha para fins medicinais.
Atualmente a importação de remédios feitos a partir de componentes da maconha não é liberada no Brasil. Só pode ocorrer com autorização judicial. Famílias de pacientes que sofrem com doenças graves (como epilepsia resistente a qualquer medicamento convencional) depositam esperança no tratamento com produtos como o spray Sativex, do laboratório britâncio GW Pharmaceuticals.
As famílias tinham a expectativa de que a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) liberasse a importação de medicamentos como esse. A Anvisa decidiu adiar a decisão. É possível que a liberação de importação não saia tão cedo.
“No mercado, não há remédio só à base de canabidiol”, disse Dirceu Barbano, diretor-presidente da agência. “Mesmo que o canabidiol seja aprovado, as pessoas não poderão importar os medicamentos porque eles têm, em sua composição, outras substâncias proscritas.” É o caso do Sativex. Além do canabidiol (CBD), ele contém THC.
Segundo Barbano, a agência não tem informações suficientes sobre os efeitos colaterais que o canabidiol possa provocar. “O CBD tem sido usado no Brasil em crianças e nós não detemos informações na literatura de qual é a consequência orgânica do uso de médio e longo prazo por crianças de diferentes idades. É dever da Anvisa evitar os efeitos colaterais e alertar sobre os riscos”.
A sociedade brasileira também tem pressa. Quer uma solução eficaz de combate ao tráfico de drogas. A legalização da maconha é defendida por gente séria e bem intencionada. O erro é tentar minimizar os danos à saúde que o fácil acesso à droga pode acarretar.
A maconha consumida hoje não é a mesma dos anos 60. A potência da droga (o conteúdo de THC) verificada em amostras confiscadas pela polícia americana não para de crescer. Nos anos 80, era de 3%. Em 2012, chegou a 12%. Não há razão para acreditar que a droga disponível no Brasil seja menos perigosa.
A maior permissividade cultural e social em relação à maconha aumentará o número de adolescentes expostos regularmente à droga? No caso de uso generalizado de maconha, quais serão os efeitos do fumo passivo? Ninguém sabe.
“O efeito de uma droga (legal ou ilegal) sobre a saúde individual não é determinada apenas por suas propriedades farmacológicas”, escreveu Nora. “Ela é determinada, também, pela sua disponibilidade e aceitação social.”
O tabaco e o álcool oferecem uma boa amostra do que pode acontecer. Juntos, eles respondem pela maior carga de doenças provocadas por drogas. Não porque eles sejam mais perigosos que as drogas ilegais, mas porque o status de droga legal aumenta a exposição da população a elas.
Estamos dispostos a pagar para ver com a moeda do desenvolvimento saudável?
Artigo extraído da Internet
Fonte Revista Epoca